Corte validou mudança na Constituição que determinava fim do regime jurídico único dos servidores. Decisão não afeta quem já atua no funcionalismo; exigência de concurso continua. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última quarta-feira (6), que é válida a mudança na Constituição que alterou o regime de trabalho dos servidores públicos, concluindo o julgamento de uma ação que já tramitava há mais de 24 anos . Plenário do Supremo Gustavo Moreno/STF A decisão tem potencial de promover mudanças no modelo de atuação do funcionalismo para o futuro, mas não termina com os concursos públicos, nem encerra totalmente a possibilidade de estabilidade. O entendimento da Corte também não atinge quem já está sem serviço público atualmente. Nesta reportagem, o g1 vai explicar os efeitos da decisão. O que é regime jurídico único? O que o Congresso Nacional mudou em relação ao regime jurídico único? O que foi discutido pelo Supremo? O que o tribunal decidiu? O que esteve em vigor nos 24 anos de tramitação do processo? Para quem vai valer a decisão? Como será implantada uma mudança? O que acontece com os concursos públicos? O que acontece com a estabilidade? O que é o regime jurídico único (RJU)? O regime jurídico único (RJU) é um conjunto de regras que organiza o trabalho dos servidores públicos – trata de seus direitos, deveres, garantias, vantagens, proibições e preconceitos. Regula, na prática, a relação entre a istração Pública e os servidores. A Constituição de 1988 ou a prever a obrigação de um regime único de pessoal para o serviço público da União, estados, Distrito Federal e municípios. A mesma regra também vale para autarquias e fundações públicas. A ideia era evitar que servidores – muitas vezes com as mesmas atividades – tivessem regimes de trabalho diferentes, como já acontecia na história brasileira antes da Carta Magna. A Esplanada dos Ministérios concentra servidores públicos federais em Brasília. TV Globo/Reprodução Antes de 88, havia situações de carreiras regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a lei usada para regulares os trabalhadores da iniciativa privada, e carreiras com leis específicas (os chamados estatutos próprios). expressões “servidores celetistas” e “servidores estatutários”. A Constituição padronizou o tratamento à questão, obrigando que a istração Pública tivesse apenas um regime jurídico para a relação com seus servidores. Estas instituições implantaram, então, o regime estatutário, ou seja, aquele em que a relação entre governos e servidores obedece a uma lei específica, um Estatuto. No âmbito federal, a União usa a Lei 8.112, de 1990, o Estatuto do Servidor Público. Estados e municípios podem criar suas próprias leis. Servidores estatutários entram na carreira pública por meio de concurso público. Além disso, adquirimos estabilidade depois de três anos de atividade. A estabilidade significa que a perda da carga ocorre somente como proteção em processo istrativo disciplinar, a partir de decisão judicial definitiva, ou como medida para o controle de desequilíbrio nas contas públicas. Os trabalhadores das empresas estatais não estão neste grupo para quem o RJU é obrigatório – eles são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, instituições como a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, os Correios e a Petrobras têm os chamados funcionários públicos. Esses funcionários ingressaram na carreira por concurso, mas não têm estabilidade. Dia do Servidor Público: servidores são 18% das pessoas com ocupação no DF O que o Congresso Nacional mudou em relação ao regime jurídico único? Em 1998, o Congresso Nacional analisou uma proposta de reforma istrativa apresentada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Entre outros pontos, o texto retirava da Constituição as obrigações de um regime único de trabalho para os servidores. Assim, uma vez em vigor, a istração Pública federal, estadual e municipal poderia escolher seus regimes de pessoal, dependendo de suas necessidades. Na prática, poderíamos voltar a conviver, por exemplo, servidores no regime estatutário (com estabilidade) e servidores regidos pela CLT (sem estabilidade). A emenda foi aprovada e ou a valer no mesmo ano. O que foi discutido pelo Supremo? No ano 2000, PT, PDT, PCdoB e PSB questionaram, no Supremo, pontos da reforma istrativa do governo FHC. Entre eles, a determinação do fim do regime jurídico único. As siglas contestaram a forma como o Congresso aprovou uma mudança na Constituição. Para o grupo, houve irregularidade no processo legislativo, já que o texto da emenda não teria sido aprovado em dois turnos pela Câmara e pelo Senado. Em 2007, a Corte suspendeu a aplicação da regra, até uma decisão definitiva sobre o caso. Com isso, a flexibilização caiu e a obrigação do regime jurídico só voltou a vigorar. O que o tribunal decidiu? Agora, em 2024, o Supremo concluiu o julgamento do mérito da ação, ou seja, o questionamento sobre a validade da mudança feita pelos parlamentares. O tribunal entendeu que o processo de alteração da Constituição era regular. De 8 a 3, os ministros concluíram que não houve violação ao processo legislativo. Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. O ministro Gilmar Mendes abriu uma divergência que se tornou a tese vencedora. Gustavo Moreno/SCO/STF A relatora, Cármen Lúcia, e os ministros Edson Fachin e Luiz Fux consideraram que a medida era inconstitucional. O que esteve em vigor nos 24 anos de tramitação do processo? Entre 1998 e 2007, foi aplicada uma flexibilização do regime de trabalho dos servidores, já que ela teve aval do Congresso. Até então, o Supremo ainda não tinha se pronunciado sobre o tema. Em 2007, a Corte julgou o pedido de suspensão da regra. Os ministros responderam à solicitação, tornando a medida sem efeito até um pronunciamento definitivo do tribunal. Esta decisão foi mantida até o julgamento da última quarta-feira, em que o plenário analisou a validade da mudança constitucional e deliberou sobre a questão. Entre 1998 e 2007, com a vigência da flexibilização, estados e municípios chegaram a implantar regimes de pessoal no serviço público com o uso da CLT. Ou seja, contratei servidores que não contavam com a estabilidade. Leia também: Campos Neto diz que a reforma istrativa é importante para o Banco Central reduzir impostos de juros 'A próxima reforma deveria ser a istrativa', diz Henrique Meirelles Para quem vai valer a decisão? O Supremo deixou claro que a decisão que validou a flexibilização do modelo de atividade dos servidores valerá para o futuro. Assim, os servidores que já estão na carreira não sofrerão impactos – no funcionalismo federal, por exemplo, continuam regidos pela Lei 8.112, mantêm a estabilidade, seguem um regime próprio de Previdência. A determinação pode ter efeitos para quem entra no serviço público a partir da decisão do Tribunal. Como será implantada uma mudança? A mudança nas regras de atuação, mesmo para os novos servidores, não é automática. Para que ocorra uma mudança no regime de trabalho de qualquer categoria, será preciso alterar as leis que estabelecem a regulamentação das categorias. Estas normas devem ar a prever a aplicação do regime estatutário ou a mudança para a CLT. Modificações nas leis só podem fechar com votação no Poder Legislativo e sanção do Poder Executivo. O que acontece com os concursos públicos? A decisão do Supremo não alterou a exigência do concurso público para ingresso na carreira. Assim, esta forma de seleção de pessoal vai permanecer válida. A Constituição prevê o concurso como regra, e isso é aplicado mesmo para os casos atuais dos empregados públicos – os trabalhadores das estatais. Apesar de não terem estabilidade, eles são contratados após processo seletivo, que pode envolver provas e apresentação de títulos acadêmicos. O que acontece com a estabilidade? A decisão também não representa o fim da estabilidade. Caberá aos governos federais, estaduais e municipais decidirem qual modelo de trabalho mais adequado para cada área. Nas chamadas carreiras de Estado – aquelas que realizam trabalho que não tem correspondência na iniciativa privada – a perspectiva é de que se mantenha o regime estatutário (com estabilidade). A alteração para o regime CLT (na prática, o fim da estabilidade) pode ocorrer em atividades que não sejam exclusivas do serviço público, mas isso vai depender da aprovação da lei dos planos de carreira.
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