O Ministério da Educação (MEC) está tratando como uma de suas principais bandeiras a expansão do modelo de educação em tempo integral nas escolas públicas do Brasil. O governo está investindo R$ 4 bilhões neste projeto, e tem como meta alcançar, até o ano de 2026, cerca de 3,2 milhões de matrículas.
O segundo período de adesão ao Programa Escola em Tempo Integral (ETI), referente ao ciclo 2024-2025, terminou na quinta-feira (31). O objetivo nesta etapa era ampliar em 1 milhão o número de matrículas na jornada integral em todo o país. O MEC divulgará os próximos dias se essa meta for atingida.
Segundo o Censo da Educação Básica de 2023, 20,6% dos estudantes da rede pública estão matriculados em escolas de tempo integral, ainda abaixo da meta de 25% prevista pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para 2024. O governo tem insistido que o fortalecimento do programa é uma prioridade, especialmente para combater a evasão escolar e melhorar os índices de aprendizagem.
O ETI amplia a jornada escolar para, no mínimo, 7 horas diárias. O programa é defendido por alguns educadores como uma ferramenta positiva para consolidar o aprendizado nas disciplinas básicas, mas gera controvérsias.
Críticos apontam que o foco em aspectos como desenvolvimento socioemocional e formação crítica, previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pode facilitar um excesso de disciplinas pouco relevantes e conteúdos com carga ideológica. Além disso, há preocupações com as despesas elevadas para o Estado e a relação custo-benefício do programa.
Há ainda uma discussão sobre impactos sociais que transcendem a educação. Alguns estudos afirmam que o aumento da permanência dos alunos na escola está associado à redução da violência juvenil e, a longo prazo, à melhoria da qualidade de vida em comunidades vulneráveis.
Nordeste lidera adesão ao Programa Escola em Tempo Integral
Por enquanto, o Nordeste se destaca como a região com maior adesão ao programa do MEC, com 28,1% dos alunos matriculados em escolas de tempo integral até 2023. Estados como Ceará e Pernambuco lideraram as iniciativas de expansão até o ano ado.
Guilherme Melo, doutor em Educação pela USP e gerente de educação do Instituto Sivis, aponta Pernambuco como o caso historicamente mais bem sucedido de educação pública em tempo integral no Brasil. Ele explica que o exemplo do Estado serviu de inspiração para a nacionalização do modelo, especialmente quando o ex-presidente Michel Temer nomeou como ministro da Educação Mendonça Filho (União-PE), ex-governador de Pernambuco.
A experiência de Pernambuco na educação integral começou a ganhar força nos anos 2000, quando o Estado, em resposta aos desafios de baixa qualidade de ensino e alta evasão, investiu pesado nas escolas em tempo integral. A política, inspirada em uma experiência bem sucedida comandada pelo empresário local Marcos Magalhães, alcançou resultados expressivos na redução da evasão e na melhoria dos índices de desempenho escolar, chamando a atenção nacionalmente. Pernambuco tornou-se inclusive uma referência para a implementação do Programa Mais Educação, iniciado em 2010.
Melo conta que a educação em tempo integral perdeu relevância quando Aloizio Mercadante (PT), que não aprovou o modelo, contratado pelo Ministério da Educação, em 2015. Com Mendonça Filho, isso mudou, e a ênfase na educação em tempo integral foi retomada. O MEC sob o governo Bolsonaro manteve esse foco e, sob a gestão de Camilo Santana, o governo Lula tem feito o mesmo.
Autor da tese de doutorado “Educação Integral no Brasil: experiências e ideias fundamentais”, Melo considera que o modelo tem potencial para ser eficaz, especialmente ao buscar promover o desenvolvimento pleno dos estudantes, considerando todas as dimensões de suas vidas. No entanto, ele destaca que a eficácia depende de uma implementação coesa do ponto de vista pedagógico.
Para ele, há o risco de reduzir o modelo ao aumento da carga horária, sem uma proposta curricular integrada e coerente. Ele critica a tendência de introduzir disciplinas e atividades apenas para preencher o tempo.
O caso de Pernambuco, para ele, é positivo justamente porque a ampliação do tempo vem acompanhada de uma proposta pedagógica consistente e que considera o desenvolvimento humano dos jovens. Isso inclui, por exemplo, mentorias com estudantes mais velhos, que analisam suas experiências com os alunos mais novos.
“O primeiro ponto de atenção é o perigo de aumentar o tempo como um fim em si mesmo, sem ter clara uma proposta curricular coerente. Não se pode começar a preencher o tempo com coisas levantadas. A outra questão problemática é ficar criando disciplinas para preencher linguiça, sem que a escola tenha um projeto claro”, comenta.
Em disciplinas como português e matemática, estudos apontam eficácia do modelo
Um estudo que será publicado em breve desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, istração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) constatou que alunos de escolas públicas de tempo integral no Estado de São Paulo tiveram desempenho superior em português e matemática em comparação com estudantes do meio período, especialmente em matemática.
Veneziano Araujo, professor de Economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Faculdade Belavista, é um dos autores do estudo. Ele explica que uma pesquisa comparou escolas e estudantes com características semelhantes – como estrutura física e condição econômica – para garantir que as diferenças nos resultados sejam realmente ligadas ao tempo integral e não a outros fatores externos.
Para Araujo, o motivo mais óbvio é provavelmente o mais importante: aumentar o tempo de instrução ajuda a melhorar o desempenho. Mas também há outras razões.
“Há uma série de coisas que a gente não pode desprezar. Por exemplo, a escola em tempo integral implica numa equipe mais estável do que as outras. Não tem aquele professor que a de vez em quando na escola, um substituto. Então, provavelmente , a educação em tempo integral envolve um acompanhamento melhor dos alunos”, comenta.
Araujo destaca como um dos desafios do ensino integral o alto custo. Ele acredita, porém, que o modelo integral tende a se tornar cada vez mais viável por uma questão demográfica: o número de jovens no país está trazendo. Assim, com o tempo, o governo poderia investir mais nessas escolas sem precisar aumentar o orçamento total.
O modelo de escolas em tempo integral deve ser flexibilizado para não prejudicar vínculos familiares
Um dos aspectos debatidos sobre a educação em tempo integral é que ela tende a enfraquecer ou fortalecer os vínculos familiares. Há evidências robustas de que laços familiares fortes estão associados a melhores indicadores sociais, o que suscita dúvidas sobre o impacto social de um modelo de educação que distancia as crianças de suas famílias por longos períodos.
Rodolfo Canônico, diretor-executivo do Family Talks, ONG especializada em família, diz que a escola em tempo integral “pode ser uma solução para boa parte das famílias”, mas ressalta que é importante que o modelo seja flexível ante as diferentes demandas. Ele registrou um caso de uma mãe que fez uma jornada de trabalho de meio período, por querer estar mais tempo com seus filhos.
“Sabemos que isso é benéfico para o desenvolvimento infantil, mas a escola não queria nem sequer deixar as crianças almoçarem em casa. A escola era em tempo integral, e a mãe se dispunha a levar a criança de volta à tarde, mas a escola insistia que a criança almoçasse ali”, conta.
A refeição em família, segundo Canônico, é indicada como uma estratégia de prevenção de problemas sociais, para fortalecer a relação familiar. “A escola impede que isso aconteça, havendo uma família com condição, não parece fazer sentido. Causa preocupação se houver esse tipo de ingerência, de impedimento à convivência familiar. Não é o objetivo da escola integral, não deveria ser. O objetivo precisa ser fornecer o e de que muitas famílias precisam”, comenta.
Escolas de Ensino Médio Integral tiveram melhor desempenho no Ideb
Em 2023, as escolas de Ensino Médio que adotaram a educação em tempo integral atingiram uma média de 4,4 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), superando a média de 4,1 das escolas regulares.
O desempenho reforça a eficácia do modelo integral em melhorar os resultados em português e matemática. Ana Paula Pereira, diretora-executiva do Instituto Sonho Grande, que apoia a expansão do Ensino Médio integral, diz que “a extensão da carga horária é apenas um dos pilares” do ensino integral, e que as disciplinas para desenvolver competências socioemocionais dos estudantes também são importantes nos bons resultados.
“A disciplina 'Projeto de Vida', por exemplo, incentiva os alunos a refletirem sobre suas metas e traçarem planos para alcançá-los, enquanto a tutoria permite que cada estudante receba acompanhamento próximo para superar desafios e planejar seus estudos”, diz ela.
Um dos benefícios identificados em pesquisas é a redução da evasão escolar. “Um estudo que desenvolvemos sobre violência escolar em Pernambuco revelou que as escolas de Ensino Médio Integral registram uma redução significativa nos incidentes”, afirma. “Gestores dizem que as escolas integrais reduziram entre 7,2% e 8,6% os índices de violência geral e entre 11,8% e 13,5% a violência velada, como ameaças e consumo de drogas.”
Para sustentar esses resultados, a diretora-executiva do Instituto Sonho Grande enfatiza a importância de uma infraestrutura adequada e da capacitação dos educadores. “É essencial ter claro sobre as diretrizes do programa e investir no fortalecimento das equipes escolares. Professores e gestores precisam estar preparados para implementar um currículo dinâmico, que integre tantas competências acadêmicas quanto socioemocionais, e que façam sentido no contexto de vida dos estudantes. Capacitar e engajar esses profissionais é fundamental, pois são eles que traduzem a proposta do ensino integral para o dia a dia dos estudantes.”
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