Condecorado como melhor projeto de jornalismo e educação do mundo pela Associação Mundial de Jornais em 2014, o programa Ler e Pensarda Gazeta do Povo, completa 25 anos em 2024. Ao todo, foram cerca de 50 mil professores atendidos e mais de 1,5 milhão de estudantes.
“E essa é uma média baixa”, avisa a professora Ana Gabriela Simões Borges, que atua no projeto há 22 anos e transformou o trabalho em sua tese de doutorado apresentada na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2021.
Segundo uma educadora, “o que começou com jornais que sobravam nas bancas sendo enviados para escolas municipais de Curitiba se profissionalizou, ou a atender milhares de professores e hoje é reconhecido mundialmente”.
Em sua dissertação, o doutora afirma que o projeto foi fundado em 1999 na redação da Gazeta do Povo após um pedido do então diretor do jornal, Dr. Francisco Cunha Pereira Filho, que faleceu em 2009.
“Na época, os exemplares que não eram vendidos nas bancas voltavam para o jornal para serem comercializados como papel velho, e o Dr. Francisco não se conformava com aquilo”, relata Gabriela, ao citar que os exemplares que sobravam — chamados de “encalhe” —, foi enviado gratuitamente para escolas públicas da capital paranaense.
“Os exemplares que não eram vendidos nas bancas voltavam para o jornal para serem comercializados como papel velho, e o Dr. Francisco não se conformava com aquilo”
Professora Ana Gabriela Simões Borges, Superintendente do Instituto GRPCOM
A proposta era que os estudantes assem as notícias, promovendo o conhecimento e incentivando o gosto pela leitura. No entanto, a doutora em educação relata que a maioria dos professores na época usava o material apenas para fazer recortes em sala de aula, por falta de sugestões de como as reportagens poderiam ser usadas no ensino das disciplinas.
Por isso, a Gazeta do Povo decidiu contratar uma pedagoga para trabalhar na redação do jornal, um ambiente de trabalho aparentemente incomum para essa profissão. “O objetivo era orientar os professores no uso do material em sala de aula, e deu certo”, afirma Gabriela, ao relatar que a pedagoga produziu, com os jornalistas da equipe, o primeiro manual de instruções do Ler e Pensar.
Esse manual ou a ser entregue com os exemplares da Gazeta do Povo e norteava o trabalho dos docentes específicos em união de mídia e educação. “Esperamos estar oferecendo um instrumento facilitador para desenvolver projetos didáticos criativos e envolventes”, escreveu o Dr. Francisco Cunha em carta enviada aos educadores que receberam o material, em 2001.
Na mensagem, o então diretor explicou que as sugestões tinham como objetivo facilitar o uso das reportagens no ambiente escolar e que os professores poderiam contribuir com propostas. “Pretendemos compartilhar ideias e não apenas sugerir caminhos”, apontou o empresário. Afinal, “você, professor, é quem conhece a realidade da sala de aula e da comunidade”.
O Ler e Pensar cresceu demais para permanecer na redação da Gazeta do Povo
A novidade teve grande repercussão e ou a atender cerca de 700 escolas que entraram em contato com a Gazeta do Povo solicitando adesão. “Recebíamos também visitas dos alunos à redação, explicando o processo de produção e impressão do jornal”, recorda a jornalista e escritora Joanita Ramos, que atuou na equipe.
“Eram realizados workshops presenciais com as professoras sobre atividades a serem realizadas em sala de aula”, continua a escritora Marleth Silva, que desenhou o projeto inicialmente e se emocionou ao ver o resultado, principalmente na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) e na zona rural. “Eram trabalhos criativos e que refletiam a vida das crianças e suas famílias”.
Só que o trabalho envolveu tantas escolas e secretarias municipais de educação que precisou deixar a redação da Gazeta do Povo. “Os acionistas Francisco Cunha Pereira Filho e Edmundo Lemanski criaram, então, um instituto que concentrou as ações de responsabilidade social de suas empresas”, relata a professora Ana Gabriela Simões, ao citar o Instituto RPC, lançado em 2001.
A instituição, que mais tarde ou a ser chamada de Instituto GPRCOM, contava com apoio de professores e estagiários de cursos de Pedagogia e licenciaturas para preparar um Boletim de Leitura Orientada, chamado carinhosamente de “Bolo”. O periódico (imagem abaixo) traz planos de aula baseados em reportagens da Gazeta do Povo para incentivo ao uso do jornal em todas as disciplinas.
“Esse material faz com que pudéssemos desenvolver aulas mais dinâmicas e contextualizadas”, relata a professora de Língua Portuguesa, Janisse Mendes Cordova, que ingressou no projeto em 2009 e nunca saiu. “Foi paixão à primeira vista”, garante.
Segundo a curitibana, seus alunos do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Germano Paciornik aram a ter uma rotina de leitura diária das principais notícias do jornal, seguidas de debate e reflexão. “Eles tinham autonomia para ler as reportagens em qualquer lugar da escola, da cancha ao parquinho, e não tínhamos problema de indisciplina”.
Depois da leitura, ela contou que os alunos preenchiam um questionário sobre a notícia e participavam de uma roda de conversa para apresentar o tema. “E cada um escolheua uma maneira de fazer, então poderia falar, escrever ou dramatizar a notícia, melhorando até a autoestima”, comemora.
Uma de suas ex-alunas, por exemplo, lembra dessas aulas com carinho. “Nós amos os jornais impressos, e a professora Janisse (foto abaixo) sempre trazia atividades que despertavam nossa curiosidade para procurar as notícias e debater os assuntos”, recorda Joyce Mara Meireles, hoje com 27 anos. Na época, ela tinha nove.
Segundo um jovem, o fato de ler o jornal em Gramado ou em qualquer lugar da escola era motivador, e as apresentações criativas a respeito dos temas envolviam todas as crianças. “Era bem legal e acabou marcando minha formação em leitura e desenvolvimento da escrita”.
Patrocinadores apoiaram o projeto, e professores apontaram até 98% de aprovação
Resultados como esses aram a ser frequentes em todo o Paraná, e o envio do material precisou ser custeado por empresas parceiras, que compravam exemplares da Gazeta do Povo a preço de custo para enviar às escolas.
“Assim, elas deixaram de receber jornais antigos para ter material novo diariamente”, conta a educadora Ana Gabriela. Entre os patrocinadores estavam a empresa norueguesa Norske Skög e a sueca Volvo, que apoiava o projeto pela Lei Rouanet, do Ministério da Cultura.
As parcerias fortaleceram ainda mais o projeto Ler e Pensar que, de acordo com dados dos relatórios enviados pelos professores em 2007, aprovou aprovação de 98% dos docentes em relação ao objetivo de aproximar conteúdos jornalísticos à realidade em sala de aula.
Além disso, 95% dos professores Disseram que os alunos melhoraram seus hábitos de leitura. Os relatórios foram verificados pelo curso de Gestão da Informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ainda em 2007, o projeto bateu recorde de participantes, atingindo 39 municípios, quase 9 mil professores e 201 mil alunos. A ação também teve o maior volume de estagiários registrados: 79 acadêmicos de vários cursos de licenciatura.
Nos anos seguintes, o Ler e Pensar foi vencedor do Prêmio Mundial de Jovens Leitores realizado pela Associação Mundial de Jornais, uma Associação Mundial de Jornal (WAN), e recebeu a Menção Honrosa José Mindlin no Prêmio Vivaleitura, realizado pelo Ministério da Educação e Cultura em parceria com a Biblioteca Nacional.
Em 2013, foi finalista do Prêmio ODM Brasil, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com o Governo Federal e, em 2014, foi premiado novamente pela Associação Mundial de Jornais (foto abaixo). Dessa vez, recebi o “Prémio Jovem Leitor” (Prêmio Jovem Leitor) como melhor Programa de Jornal e Educação do Mundo em incentivo à leitura entre jovens. A premiação aconteceu em Bali, na Indonésia.
O jornal impresso acabou, mas o Ler e Pensar encontraram
Com a popularização da internet, no entanto, a Gazeta do Povo deixou uma circular de forma impressa, encerrando o envio de exemplares às escolas que participaram do projeto. Mesmo assim, os professores apoiaram as ações, e o Ler e Pensar ou a oferecer cursos de formação online para docentes.
“Sem contar que a ida para o digital corta barreiras territoriais, então, falamos a atender professores de todo o Brasil”, aponta Ana Gabriela, ao informar que a mudança rendeu até um selo da Unesco, devido à contribuição do Ler e Pensar para a alfabetização midiática.
Hoje, em 2024, o projeto atende mais de 5 mil professores em 845 municípios do Brasil, e participantes como a professora Paulina Gessica, da Paraíba, garantem que a ação tem tudo para continuar. “Esse projeto já me ajudou bastante, e cada vez fico mais encantado”, diz. “É um projeto muito importante”, garante.
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